
De conceitos enganosos a mutilações: Conheça 11 perigos da “odontologia biológica”
25/07/2025
O Conselho Federal de Odontologia (CFO) tem acompanhado com preocupação a crescente onda de conteúdos divulgados na internet a respeito da chamada “odontologia biológica”, cujos adeptos encantam pacientes com discursos falsos e realizam diagnósticos e indicações de tratamentos clínicos sem comprovação científica. A pseudociência não é reconhecida pela autarquia federal, sendo que incorrem em infração ética os cirurgiões-dentistas que se auto intitulam especialistas em “odontologia biológica” ou oferecem tratamentos baseados nela. O CFO faz um alerta à população sobre os riscos dessas práticas que são enganosas, desnecessárias e, muitas vezes, mutiladoras.
Conheça abaixo os 11 principais perigos da “odontologia biológica”:
1 – Conceito fantasioso de que cada dente está ligado a órgãos específicos do corpo humano:
A “odontologia biológica” é baseada no conceito fantasioso de que existiria uma relação direta entre os dentes e os demais órgãos do corpo. Para isso, foram desenvolvidos tabelas, organogramas e desenhos esquemáticos sem respaldo científico, que ligam cada um dos dentes a órgãos específicos do corpo humano e a condições psíquicas diversas. Afirmam, por exemplo, que os incisivos centrais estão ligados ao rim e à bexiga, a relações familiares e ao medo; ou que os caninos poderiam interferir no fígado, vesícula, olhos e aflorar a raiva dos pacientes.
Para que acreditem em tais teses, as pessoas são ludibriadas com discursos bem elaborados, que usam termos atrativos como “campos interferentes odontológicos” e “tratamento com visão holística”. Os “dentistas biológicos” sugerem esta ligação para convencer o paciente de que a solução para doenças em órgãos específicos estaria no tratamento dentário.
O CFO esclarece que não há na literatura científica estudos clínicos randomizados, com ou sem meta-análises, que comprovem a relação entre os dentes e outros órgãos do corpo humano de forma direta, linear e bidirecional. Cumpre esclarecer que algumas doenças bucais, que apresentam inflamação crônica, podem estar relacionadas com diversas doenças sistêmicas como o diabetes e a endocardite bacteriana. Porém, nesses casos, os quadros clínicos independem de qual dente especificamente foi acometido pela infecção.
2 – Extrações de dentes que ainda podem ser salvos e mantidos em boca:
A “odontologia biológica” prevê a extração de dentes sadios ou com necessidade de tratamento endodôntico, sob a falsa premissa de que os mesmos poderiam interferir na saúde integral do indivíduo. Há casos de pacientes que se submeteram à extração de mais de um dente, sem indicação clínica convencional, o que configura prática mutiladora.
O CFO alerta, porém, que a busca pela preservação da integridade dos dentes é um dos princípios básicos da Odontologia moderna. Os pacientes devem ser conscientizados de que nada substitui um dente natural, sendo que a extração só deve ser realizada quando forem esgotados todos os recursos para tentativa de sua conservação ou por indicações protéticas muito bem avaliadas. Cumpre esclarecer ainda que a perda precoce de um dente traz inúmeros males, como a instabilidade da oclusão e da mastigação, mudança de posicionamento dos dentes remanescentes e problemas estéticos.
3 – Relações entre implantes de titânio e interferências eletromagnéticas:
Os chamados “dentistas biológicos” também afirmam, sem respaldo científico, que implantes de titânio, por serem feitos de metal, provocariam a intoxicação do organismo e ainda causariam interferências em campos eletromagnéticos do corpo. Esses “profissionais” convencem os pacientes a optarem pelos implantes de zircônia, feitos de material cerâmico, havendo casos em que as peças de metal osseointegradas e em bom funcionamento são retiradas para substituição, sem necessidade clínica.
O CFO esclarece que os implantes de titânio são seguros para uso humano, não havendo embasamento científico para sua contraindicação. Ressalta ainda que a remoção de um implante osseointegrado pode gerar complicações sérias ao paciente, incluindo perda óssea, que também pode gerar perda de tecido gengival, trazendo problemas funcionais e estéticos no futuro. Além disso, deve-se ponderar que implantes de zircônia são considerados mais vantajosos do ponto de vista da estética, mas geralmente menos resistentes e mais onerosos. Destaca-se que a escolha do material do implante deve levar em conta as características clínicas de cada paciente, a partir dos princípios científicos da Implantodontia.
4 - Alegações enganosas de que tratamentos endodônticos causam câncer de mama, contaminações ou Alzheimer:
Entre os conceitos da “odontologia biológica” também está a contraindicação aos procedimentos endodônticos, sob a justificativa de que os tratamentos de canal são focos de contaminação que interferem na saúde do paciente. A alegação é de que, após o canal tratado, o “dente morto” poderia liberar toxinas na corrente sanguínea, resultando no desenvolvimento de patologias como câncer de mama, doenças autoimunes, cardíacas e neurodegenerativas como a doença de Parkinson e o Alzheimer. Há casos de indicação da extração desses dentes para instalação de implantes de zircônia ou, ainda, de venda de tratamentos ilusórios, supostamente especiais, para o fechamento e descontaminação dos canais radiculares.
Ressalta-se, no entanto, que a Endodontia é uma importante especialidade da Odontologia, devidamente regulamentada pelo CFO e que utiliza procedimentos cientificamente comprovados e consolidados em todo o mundo. Os tratamentos endodônticos conservadores são eficientes recursos para preservação da saúde dos dentes, sendo indicados sempre que a polpa dentária estiver comprometida. A extração de dentes com tal diagnóstico é não apenas desnecessária, como irresponsável do ponto de vista que significa um dano irreparável ao paciente.
5 – Troca de restaurações de amálgama sem indicação clínica:
Os procedimentos defendidos pelos adeptos da “odontologia biológica” também incluem a retirada de todas restaurações de amálgama de prata sem indicação clínica, sob justificativa de que o mercúrio presente nela poderia causar danos ao organismo humano. Em alguns casos, é realizada a troca de diversas restaurações apresentando boa condição clínica, de forma que os pacientes acabam se submetendo a novos tratamentos, com risco de novos desgastes dentais e de tempo mais prolongado, para realização de retratamentos que são desnecessários e onerosos.
Tais teorias, no entanto, não encontram respaldo científico, havendo consenso em todo o mundo de que as restaurações de amálgama são seguras e não representam riscos à saúde. Embora hoje existam no mercado materiais estéticos, as resinas compostas, o amálgama ainda continua em uso e tem indicações com ênfase em saúde pública, em função de sua longevidade clínica. A remoção de antigas restaurações deve ser realizada apenas quando houver algum tipo de comprometimento das mesmas ou quando o paciente desejar realizar a troca por questões estéticas.
Destaca-se que a Convenção de Minamata, que trata da contaminação ambiental dos produtos que contêm mercúrio, em momento algum proibiu o uso do amálgama na Odontologia, apenas recomendou a utilização consciente e diminuição progressiva, porém essa é uma questão cujas discussões em nada estão relacionadas com as alegações da “odontologia biológica”.
6 – Falsos protocolos para remoção de restaurações de amálgama:
São igualmente falsas as afirmações de que a retirada das restaurações de amálgama exigiria um protocolo especial de segurança contra contaminação. Os “dentistas biológicos” passam aos pacientes a ideia de que o mercúrio pode “vazar” ou ser inalado no momento da remoção, o que supostamente exigiria uso de EPIs reforçados, semelhantes aos usados para proteção contra materiais tóxicos. Com essa narrativa, geralmente, cobram valores bastante acima do praticado no mercado para a substituição das restaurações. Além disso, fazem prescrições de reposição de vitaminas e soroterapia que supostamente diminuiriam a chance da alegada contaminação por mercúrio, o que onera ainda mais o procedimento.
O CFO esclarece que todos os cirurgiões-dentistas, devidamente registrados junto ao Sistema Conselhos de Odontologia, estão capacitados para a remoção das restaurações de amálgama, que pode ser realizada a partir de protocolos simples. Desta forma, sempre que houver indicação clínica, a troca dos materiais é completamente segura, tanto para os pacientes, quanto para os cirurgiões-dentistas; sem exigência de paramentação além daquela legalmente exigida para uso rotineiro nos consultórios odontológicos. O material removido deve ser descartado de forma correta pelos cirurgiões-dentistas, pela questão ambiental.
7 – Associação entre contenções ortodônticas e infertilidade feminina:
Os “dentistas biológicos” também disseminam informações falsas com associação entre as contenções de aparelhos ortodônticos e infertilidade feminina. Afirmam que o uso do dispositivo leva à irregularidade menstrual, cólicas e endometriose. Eles estimulam que as pacientes abandonem o tratamento ortodôntico com a promessa de que assim poderiam conseguir engravidar.
O CFO esclarece que não há relação entre as contenções ortodônticas e quadros de infertilidade. Tal suposição, feita sem qualquer embasamento científico, beira o absurdo e é profundamente irresponsável uma vez que interfere no sonho de mulheres com dificuldades para engravidar, que são iludidas pela falsa ideia de que a solução para a fertilidade pode estar na interrupção do tratamento ortodôntico.
8 – Prescrição de vitaminas, probióticos e hormônios contra cárie:
A “odontologia biológica” também defende a ideia equivocada de que a cárie está associada a fatores hormonais e deficiências vitamínicas. É comum a prescrição inadequada de probióticos, vitaminas e hormônios de aplicação cutânea, sob a justificativa de que pacientes com maior incidência da doença sofram de desequilíbrios da saúde geral e da boca.
O CFO esclarece que a cárie é uma doença não transmissível com aspectos biológicos e sociais, causada pela presença de biofilme e exposição frequente a carboidratos fermentáveis, resultando na desmineralização dos tecidos duros dentais. Ou seja, está associada a dietas ricas em carboidratos e açúcares, juntamente com maus hábitos de higiene bucal, não estando ligada a outros fatores orgânicos ou emocionais. Ressalta-se ainda que as vitaminas D, K, A e do complexo B, assim como minerais como ferro, magnésio, cálcio, fósforo e zinco são comprovadamente importantes para o fortalecimento dos dentes, especialmente em crianças. Porém é importante frisar que essas vitaminas são adquiridas através de uma alimentação correta e podem ser repostas por motivos médicos sempre que houver diagnóstico e indicação correta.
Além disso, destaca-se que os cirurgiões-dentistas possuem a prerrogativa legal de realizar prescrições medicamentosas, desde que as mesmas sejam direcionadas a tratamentos de comprovada eficiência e dentro da área de atuação da Odontologia.
9 – Prescrição hormonal para tratamento de câncer:
Entre os casos mais graves envolvendo a “odontologia biológica” está a prescrição hormonal para tratamento de doenças oncológicas diversas. Os pacientes são convencidos a fazer uso dos hormônios receitados, como também a abandonar os tratamentos convencionais contra o câncer, situação que coloca suas vidas em risco.
O CFO esclarece que os cirurgiões-dentistas são importantes elementos no atendimento multidisciplinar a pacientes diagnosticados com câncer de orofaringe, atuando em diversas fases em apoio ao tratamento indicado pela equipe médica. Porém, não devem extrapolar sua área de atuação, sob pena não apenas de incorrer em infração ética, como também de responder criminalmente pelos danos que possam causar à saúde dos pacientes. A prescrição hormonal e o atendimento a pacientes oncológicos, exceto no caso do câncer de orofaringe, não fazem parte das atribuições e competências dos profissionais da Odontologia.
10 – Ataques negacionistas ao uso consciente do flúor:
Também são comumente registrados casos de “dentistas biológicos” que fazem ataques ao uso do flúor, que comprovadamente é um importante instrumento de saúde pública no combate à cárie. Associam a fluoretação das águas de abastecimento público, assim como o flúor presente no creme dental, a baixos índices de QI, Transtorno do Espectro Autista e outros problemas do neurodesenvolvimento. Dessa forma, desestimulam os pacientes na utilização do flúor e ainda indicam cremes dentais sem flúor que são mais caros que os convencionais e indicados.
O CFO esclarece que não há, em todo o mundo, estudos científicos robustos, com metodologia adequada, que contraindiquem o uso consciente do flúor, em qualquer que seja o aspecto. A escovação dental diária, pelo menos duas vezes ao dia e com creme dental fluoretado (com no mínimo 1.100 ppm de flúor), é comprovadamente eficaz, segura e, juntamente as políticas de fluoretação da água de abastecimento público, apontada como uma das principais razões para o declínio das lesões de cárie, observado desde a década de 1970.
11 – Apropriação do termo “odontologia integrativa” para confundir pacientes
Os chamados “dentistas biológicos” também têm procurado se apropriar do termo “odontologia integrativa”, de forma a confundir os pacientes e supostamente buscar amparo legal para os tratamentos oferecidos.
O Conselho Federal de Odontologia esclarece que a “odontologia biológica” é completamente diferente e não possui qualquer relação com as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS); essas, sim, autorizadas pelo Ministério da Saúde dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e regulamentadas pelo CFO no âmbito da Odontologia.
Combate às pseudociências na Odontologia e orientação aos pacientes
Além da “odontologia biológica”, também é possível encontrar na Internet conteúdos sobre pseudociências com outras denominações como, por exemplo, a terapia neural, biocibernética, psicogenealogia e biodecodoficação bucal. Todas possuem narrativas semelhantes, convencendo pacientes a realizarem procedimentos sem respaldo científico e induzindo-os a questionar tratamentos tradicionais da Odontologia. Essas condutas colocam em risco a saúde da população.
Diante da gravidade do tema, que caracteriza ameaça ao direito coletivo à saúde, o Conselho Federal de Odontologia encaminhou denúncia à Advocacia Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNUDD), em que solicita atuação institucional da entidade em defesa da integridade das políticas públicas sanitárias, assim como do direito coletivo à saúde, e se coloca à disposição para colaboração.
A orientação do CFO à população é que os pacientes sempre procurem por cirurgiões-dentistas que atuem exclusivamente dentro dos parâmetros científicos da Odontologia e que ofereçam apenas os serviços das especialidades devidamente regulamentadas. É de fundamental importância que os pacientes recusem atendimentos dentro dos conceitos da “odontologia biológica” para que lhes seja garantida segurança nos tratamentos odontológicos.
Fonte: CFO.